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A Escola Fujima de Dança Kabuki - do Japão ao Brasil

Estude no Japão

Atualizado: 23 de ago. de 2024


O texto a seguir foi escrito por Daniel Aleixo. Daniel é ator-dançarino e bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), tendo realizado intercâmbio em Estudos Globais pela Tokyo University of Foreign Studies (TUFS). Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo (USP), tendo realizado intercâmbio pela Universidade de Kanagawa (KU). Como dançarino, integra o Núcleo Experimental de Butô e a Cia Fujima Ryu de Dança Kabuki. Como pesquisador, integra o Grupo de Estudos Arte Ásia (GEAA) e o grupo Kinyōkai.


Email para contato: danielrfaleixo@gmail.com



Breve história do estilo Fujima: do Japão ao Brasil

Daniel Aleixo


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Coreografia Pinheiro (Matsu)
Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Coreografia Pinheiro (Matsu)

Na madrugada do dia 1 de junho de 2018, me arrumei e peguei uma carona de Campinas a São Paulo para conhecer a Escola Fujima de dança Kabuki (Fujima Ryu Brasil). Cheguei pela manhã e fiquei algumas horas rondando o bairro da Liberdade. A reunião com a diretora teve início logo após o almoço no prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (Bunkyo) e durou a tarde inteira. Já na semana seguinte, passei a frequentar as aulas de dança e cá estou até hoje. De lá pra cá, passaram-se seis anos de intensas atividades, que não foram interrompidas nem mesmo com meu intercâmbio pela Tokyo University of Foreign Studies de 2019 a 2020, pois continuei praticando na unidade de Chōfu, da vertente Murasaki


O contato contínuo com essa linguagem cênica contrastou com a minha formação como ator no regimento de teóricos e técnicos ocidentais. Além disso, vi-me envolto de um leque de metodologias. Quem vê uma peça de Kabuki pensa em técnicas pétreas passadas de geração em geração. Na verdade, esse mundo se manifesta menos como rochas em movimento e mais como granizos ou grãos de areia, que caem do céu ou rolam pela água de geração em geração. Existe diversidade em tradições vivas.


Muito já se escreveu sobre a história do Kabuki, por isso eu gostaria de compartilhar aqui, por sobre o sublinhado da história do teatro e com razoáveis elipses, um pouco do trajeto do estilo Fujima do Japão para o Brasil, especificamente, no que diz respeito à dança.


Escola Fujima de Dança Kabuki
Izumo no Okuni, a criadora do Kabuki

O Kabuki é um teatro pantomímico originado da fusão entre manifestações populares de cunho celebrativo, danças sacerdotais e teatro de corte, reconhecido principalmente pela sua exuberância e vivacidade. Surgiu no início do Período Edo (1603-1868). Apesar de manter certa espontaneidade da sua origem no âmbito público, sua identidade maior vem da técnica física e dramatúrgica formalizadas. Posteriormente, o rigor técnico também se estendeu para vestimentas e acessórios.


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Danças femininas da Escola Fujima

Em 1603, mesmo ano em que Tokugawa Ieyasu estabeleceu o xogunato, a sacerdotisa Izumo no Okuni (1572 -????), do grande santuário de Izumo, começou a se apresentar com sua trupe feminina em Quioto, tornando-se um sucesso instantâneo. Ela se vestia como um jesuíta, usava um crucifixo no peito e batia um pequeno tamboril (taiko) pendurado em uma corda vermelha no pescoço enquanto dançava a partir de matrizes religiosas (nenbutsu odori). Em 1607, viajou para Edo para se apresentar no terreno do castelo do xogum. Em 1613, fundou a sede de seu teatro no leito seco do rio Kamo, onde encenava números satíricos e inventivos.


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Danças femininas da Escola Fujima

Em 1629, quando o governo impôs uma lei de proibição às mulheres de subirem nos palcos. Seguiu-se a inserção de jovens e belos garotos para desempenhar os papéis (wakashū). Contudo, esse estilo também foi banido em 1652. A partir daí, o teatro sobreviveu desenvolvendo o estilo maduro (yaro), exigindo atores adultos na condição de que seus glamorosos topetes estivessem raspados. Deu-se o início à especialização de papéis. Em 1664, outro marco foi alcançado pelo desenvolvimento de peças de vários atos, que substituíram as danças breves em um único ato (Kusano, 1993, p. 69-70). As peças foram se tornando cada vez mais complexas e variações de enredo interessantes foram introduzidas, bons atores surgiram e os espectadores começaram a apreciar o Kabuki como uma linguagem dramática. 


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Danças femininas da Escola Fujima

O período Genroku (1688-1704) foi o primeiro grande marco de desenvolvimento artístico do Kabuki. Lado a lado com o brotar de novos dramaturgos, cada grupo de atores viu-se na urgência de autenticar seu próprio estilo pantomímico. Afinal, qual seria a diferença ao assistir uma mesma peça encenada por grupos diferentes? Eventualmente, surgiram numerosas escolas de dança (buyō no ryuha), verdadeiras famílias de artistas com coreografias autorais e ramificações dentro e fora do teatro Kabuki, passadas de geração em geração, para atender a uma grande parcela amadora da classe artística, composta predominantemente por dançarinas e dançarinos. Dentre as escolas proeminentes, temos Nishikawa, Hanayagi e Fujima. Os chefes das escolas (Iemoto), ainda hoje, são majoritariamente atores Kabuki, que carregam no nome artístico a identificação da escola. Se antes, eram os próprios atores que criavam suas próprias danças (buyō), agora surgiam coreógrafos e coreógrafas. No teatro oficial, costumam ser sempre homens, enquanto nas escolas, o ofício é exercido por mulheres, quase que exclusivamente. O sistema de graduação (natori) possui um repertório específico de números de dança que segue à risca o estilo e é validado pelo chefe.  


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Danças masculinas da Escola Fujima
Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Danças masculinas da Escola Fujima
Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Danças masculinas da Escola Fujima

O estilo Fujima de Kabuki surgiu no Japão no primeiro ano do período Hōreki  (1751-1764) e, atualmente, está presente em todos os continentes do mundo, preservando toda a sua técnica e autenticidade. É o estilo com mais vertentes no próprio Japão. A palavra Fujima significa “Glicínia” e provém do oeste do Japão e das Ilhas Ryūkyū. Alguns portadores descendem do clã Taira, outros do norte de Fujiwara.

Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Brasão da Escola Fujima

A primeira Escola Fujima foi fundada pelo ator Fujima Kanbei I (????-1769). Ele deixou sua cidade natal, a vila de Fujima, em Kawagoe, com seu irmão mais novo, Fujima Kanzaemon, e viajou para a capital Edo, atual Tóquio. Seu filho tornou-se Fujima Kanbei II, que foi sucedido na profissão por seu genro adotivo, Fujima Kanbei III (????-1821), um coreógrafo prodígio, cujas obras mais importantes incluem Shiokumi e Sanbasō. Kanbei III ficou famoso por suas danças transformistas (hengemono buyō), durante o qual o dançarino fazia diversas mudanças rápidas de figurino, retornando a cada vez para retratar personagens surpreendentemente diferentes. A ramificação das escolas de dança clássica japonesa durante o início dos tempos modernos começou quando, em 1798, Kanbei III temporariamente mudous seu nome para Kanjuro I após uma briga com a família e iniciou um novo rumo para o estilo Fujima. O renascimento da escola é dado a partir do aparecimento de Fujima Osuke (1796–1840), filho adotivo de Kanbei III, que mudou de nome para Kanjuro II em 1831. A partir daí, abriu-se o leque coreográfico com Yasuna, Komori, Tomo Yakko, Sanja Matsuri e Kasane (Leiter, 2014, p. 107). Mas apesar dessa gênese masculina, as mulheres passaram a dominar as várias gerações da linhagem a partir do modernismo, ramificando cada vez mais o estilo. Lembremos de Fujima Fujiko (1907-1998), Fujima Kansura (1918-2023), Fujima Murasaki (1923-2009), Fujima Kanriye (1923- 2014), entre muitas outras. Das ramificações da escola, vale citar Sōke, Murasaki, Kanemon e Shubukai. 


No Brasil, o estilo Fujima está presente desde 1961, trazido pela dançarina e coreógrafa Fujima Yoshinojo (1934-2014), que logo fundou sua escola em São Paulo. Atualmente, a instituição é dirigida por sua filha, Katsura Eguti, e corpo docente composto por Fujima Yoshisei, Fujima Yoshikoto, Tabata Hiromi, Fusa Ogura e Hideshima Satie. Entre mestres e aprendizes, atuam não só como uma instituição de ensino, mas também como Companhia, cujo intuito é formar talentos e propagar a arte da dança derivada do Kabuki no Brasil. Através de um corpo de bailarinos profissionais e amadores, realizam desde curtos pocket shows a grandes espetáculos, incluindo workshops, exposições didáticas e oficinas (Fujima, 2024). Com acervo de figurinos, acessórios, cenários e arquivos musicais, as apresentações se configuram em diversos formatos com propostas para grandes eventos ou apresentações pontuais que atendam os setores culturais, artísticos e comerciais. 


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Coreografias diversas da Escola Fujima.

A escola trabalha com os três tipos de dança fundamentais: danças abstratas e leves com ênfase na celebração (mai), danças dinâmicas com temática folclórica (odori) e coreografias teatrais e figurativas (furi). Geralmente, as coreografias furi são encenadas sem adereços e figurinos estrondosos, apenas com o uniforme básico, pois preza-se a virtuose do dançarino ou dançarina em seu desempenho técnico, sem a distração maquiada. A isso, chama-se sūodori. Contudo, dá-se ênfase a figurinos carregados nos casos de mai e odori. No Brasil, no panteão dos clássicos de formação estão: Yari YakkoEchigo Jishi, Ame no gorō, Seki no Koman, Fuji Musume, etc.


Escola Fujima de Dança Kabuki - Daniel Aleixo
Coreografia Yari Yakko

Decerto, meu trajeto até aqui ainda é raso. No mundo do Kabuki, nós que mergulhamos em estilos centenários somos apenas bebês em formação se considerarmos os(as) grandes mestres que começam a praticar na tenra idade. É praticamente uma vida a ser vivida para com a arte. A professora Fujima Yoshikoto me abriu as portas com Yari Yakko, talvez, para que eu continue levando a lança comigo.



Referências: 

FUJIMA RYU BRASIL. Sobre a Companhia Fujima de Dança Kabuki. 2024. Disponível em: https://www.ciafujima.com.br/. Acesso em: 19 de junho de 2024. 

IWAMOTO, Vivian; SARAT, Magda. Danças japonesas: a história e a trajetória de uma professora imigrante. História Oral, Dourados, v. 19, n. 2, p.87-107, 2017. 

KUSANO, Darci. Os teatros Bunraku e Kabuki: uma visada barroca. São Paulo: Perspectiva, 1993. 

LEITER, Samuel. Historical dictionary of Japanese traditional theatre. Maryladn: Scarecrow Press, 2014. 


Imagens: 

Arquivos da FujimRyu Brasil. 



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